segunda-feira, dezembro 31, 2012

2013 aproxima-se. Que poderei eu dizer-te?


2013 aproxima-se. Que poderei eu dizer-te? Irão tentar derrubar-te? Cairás? Se do chão te ergueste, ao chão tentarão levar-te. Cairás, ó levantado do chão? Deixarás que te arrastem? Que poderei eu dizer-te? Se caíres, levanta-te! E se voltares a cair (porque te tornarão a empurrar) torna a levantar-te. Ergue-te! Não foi isso que fez o Salvador na sua via crucis? Que poderei eu dizer-te? Prepara-te! Vai ser duro. Os vendilhões invadiram o templo e já tomam conta dele. Meu país, meu templo. É preciso expulsá-los, vezes e vezes sem conta, porque retornarão, vezes e vezes sem conta. Não vai ser fácil. Estaremos todos aqui e não tememos. Que poderei eu mais dizer-te? Que a vida é luta?!

Bom Ano Novo, para ti e tua família.

domingo, dezembro 30, 2012

Passagem de Ano na TV


Na TV temos festas anunciadas,
Coisas para gente solitária
Devidamente pré-fabricadas,
Pré-anunciadas.

Os protagonistas, na hora esperada,
Estarão noutras festas.
Com a gente solitária
Ficará uma fita gravada
Previamente antecipada.

AMCD, 31 de Dezembro de 1994

sábado, dezembro 29, 2012

Sol d’Inverno

           © AMCD

sexta-feira, dezembro 28, 2012

«Ninguém se mexa! Mãos ao ar!»


«Ninguém se mexa! Mãos ao ar!» disse o histérico
e frívolo homenzinho com mais medo
da arma que empunhava que de nós.
«Mãos ao ar!», repetiu para convencer-se.

Mas ninguém se mexeu, como ele queria…
Deu-lhe então a maldade. Quase à toa,
escaqueirou o espelho biselado
que tinha as Boas-Festas da gerência

escritas a sabão. Todos baixámos,
medrosos, a cabeça. Se era um louco,
melhor deixá-lo. (O barman escondera-se
por detrás do balcão). Ali estivemos

um ror de medo, até que o rabioso
virou a arma à boca e disparou.

                             (Poema de Alexandre O’Neill)


in Alexandre O’Neill, Poesias Completas, 5ª ed. Assírio & Alvim, 2007, p. 281

quinta-feira, dezembro 27, 2012

A Arriba Fóssil da Costa da Caparica e a "costa de cinco estrelas"

           © AMCD


            © AMCD



«Entre a Trafaria e a Lagoa de Albufeira ocorre uma arriba que chega a estar cerca de 1 km afastada da linha de costa actual, expondo sedimentos depositados nos últimos 20 milhões de anos. A arriba estabelece o limite entre a planície litoral actual e uma plataforma litoral antiga, presentemente mais de 80 m acima do nível do mar. Apesar do conteúdo fossilífero dos sedimentos que a constituem, a arriba é denominada como “fóssil” por ter estado no passado em contacto directo com a erosão marinha que a formou. Esta arriba é a única em Portugal devido à sua extensão, boa exposição e grau de conservação, motivos que estiveram na base da criação da área protegida com o mesmo nome, em 1984.»

Paulo Pereira, Universidade do Minho

in José Brilha e Paulo Pereira (coord.), Património Geológico, Geossítios a Visitar em Portugal, Porto Editora, 2012, p.77.

***

Junto à Arriba Fóssil da Costa da Caparica, esse monumento geológico, passeámos na praia, qual “costa de cinco estrelas transformada em desaguadouro de terceiro mundo” nas preconceituosas palavras da nossa mui estimada Clara Ferreira Alves*. E tudo porque no Verão a turba suburbana invade o areal, que não merece (sentirá ela), que isso de praias de cinco estrelas não é para qualquer um. Só para VIP como ela.

Quem a lê atentamente (e nós gostamos de a ler) não deixa de reparar nesses tiques quase imperceptíveis de sobranceria intelectual, tão comuns entre a suposta intelectualidade urbana, ante as populares massas turbulentas, terceiro-mundistas, dizem eles, dos subúrbios. Não repararam contudo, que já a urbe se mudou para suburbia e que a suburbia se mudou para a urbe, sendo hoje os suburbanos tão ou mais urbanos que os próprios urbanos. Na verdade, hoje, essa distinção entre o urbano e o suburbano esbate-se e perde sentido. A cidade estende-se cada vez mais e engole o subúrbio (ou será que é o subúrbio que engole a cidade?). Vivemos já na era da cidade-região e a Margem Sul, não é mais do que Lisboa a Sul do Tejo, estendendo-se até às faldas da Arrábida, e as pontes sobre o Tejo não são mais do que uma espécie de avenidas de Lisboa, sem margens. O Cristo-Rei está já no meio de Lisboa.

_______________________________
(*) Clara Ferreira Alves (2005), "O Grunho Lusitano" in Clara Ferreira Alves, Estado de Guerra, Clube do Autor, 2012, p. 35.

Onde está o diabo do Wally?

AP PHOTO/NG HAN GUAN

Pyongyang, Praça Kim Il Sung, 14 de Dezembro de 2012. Soldados norte-coreanos celebram o lançamento de um foguetão e a colocação de um satélite em órbita.

Tungurahua

AFP PHOTO / RODRIGO BUENDIA

quarta-feira, dezembro 26, 2012

A Tomada de Posse


«Senhor Presidente do Ministério:

Duas palavras apenas, neste momento que V. Exa., os meus ilustres colegas e tantas pessoas amigas quiseram tornar excepcionalmente solene.

Agradeço a V. Exa. o convite que me fez para sobraçar a pasta das Finanças, firmado no voto unânime do Conselho de Ministros, e as palavras amáveis que me dirigiu. Não tem que agradecer-me ter aceitado o encargo, porque representa para mim tão grande sacrifício que por favor ou amabilidade o não faria a ninguém. Faço-o ao meu País como dever de consciência, friamente, serenamente cumprido.

Não tomaria, apesar de tudo, sobre mim esta pesada tarefa, se não tivesse a certeza de que ao menos poderia ser útil a minha acção, e de que estavam asseguradas as condições dum trabalho eficiente. V. Exa. dá aqui testemunho de que o Conselho de Ministros teve perfeita unanimidade de vistas a este respeito e assentou numa forma de íntima colaboração com o Ministério das Finanças, sacrificando mesmo nalguns casos outros problemas à resolução do problema financeiro, dominante no actual momento. Esse método de trabalho reduziu-se aos quatro pontos seguintes:

a) que cada Ministério se compromete a limitar e a organizar os seus serviços dentro da verba global que lhes seja atribuída pelo Ministério das Finanças;

b) que as medidas tomadas pelos vários Ministérios, com repercussão directa nas receitas ou despesas do Estado, serão previamente discutidas e ajustadas com o Ministério das Finanças;

c) que o Ministério das Finanças pode opor o seu «veto» a todos os aumentos de despesa corrente ou ordinária, e às despesas de fomento para que se não realizem as operações de crédito indispensáveis;

d) que o Ministério das Finanças se compromete a colaborar com os diferentes Ministérios nas medidas relativas a reduções de despesas ou arrecadação de receitas, para que se possam organizar, tanto quanto possível, segundo critérios uniformes.

Estes princípios rígidos, que vão orientar o trabalho comum, mostram a vontade decidida de regularizar por uma vez a nossa vida financeira e com ela a vida económica nacional.»

(Excerto do Discurso de Tomada de Posse como Ministro das Finanças de Salazar, 1928)
(os sublinhados são nossos)

***

Foi o Salazar. Bem podia ter sido o Gaspar. Repare-se no primado das Finanças sobre a Economia, melhor, no primado das Finanças sobre tudo.

Bem-vindos ao admirável mundo novo! Ou será novo Estado Novo?
_______________________________

Referências:

Manuel Robalo; Miguel Mata; 50 Grandes Discursos da História, Edições Silabo, 2011, pp. 69-70.

O discurso pode ser lido na íntegra AQUI.

A Cama Quente

Homenagem aos mineiros do Chile
que dormem, singelo,
pelo sistema de «a cama quente»

Na mina trabalha-se por turnos.
Quando se volta, nem se tiram os coturnos.

Bebido o café negro e trincado o casqueiro,
joga-se o corpo ao sono, mas, primeiro,

enxota-se o camarada da cama ainda quente,
que não há camas, no Chile, pra toda a gente.

Do calor que sobrou o nosso se acrescenta
pra dar calor ao próximo que entra.

Vós, que dormis em camas, como reis,
tantas horas por dia, não sabeis

como é bom dormir ao calor de um irmão
que saiu ao nitrato ou ao carvão

e despertar ao abanão (é o contrato!)
de um que chega do carvão ou do nitrato!

É a este sistema, minha gente,
que se chama no Chile «a cama quente»…

(poema de Alexandre O’Neill, 1975)

Do chão levantado


Vim do povo chão,
Mas do chão levantado.

                                AMCD

domingo, dezembro 23, 2012

Feliz Natal

    Raffaello Sanzio, Madonna con il Bambino, c. 1503.

O mais perfeito e simples Ave Maria de todos. O melhor, sem rocócós, sem instrumentos... Apenas a voz humana soa, brilhante, límpida, pura... Puro Mozart.

(clique na imagem para ver o quadro completo)

sábado, dezembro 22, 2012

Boas-Festas


Já os dias se abrem, cada vez maiores, e a luz começa a conquistar as sombras e a escuridão. Avançam já a "passinhos de pardal" para o equinócio primaveril, mas são ainda dias solsticiais.


Boas-Festas a todos os que por aqui passam.

sexta-feira, dezembro 21, 2012

Faleceu o Professor Simões Lopes (1934 – 2012)

Foi um privilégio e uma honra ter sido seu aluno no ISEG, quando uma vez por lá frequentei um curso de pós-graduação. Aprendi com ele, e muito. Economia Urbana e muito mais. As suas prelecções eram para mim um prazer. Os seus ensinamentos ainda me servem na vida profissional que levo. Já o citei, por vezes, aqui.

Remeto ainda para o blogue Ladrões de Bicicletas, onde os seus colegas economistas lhe prestam homenagem e pelo qual tive notícia do seu falecimento.

Que descanse em paz.

O fim do mundo já começou

Finda desde o dia em que se formou.


Inverno de Portugal


Inverno,
Eterno inferno.

E se te disser que folheei as Poesias Completas
d’O’Neill à procura da palavra “Inverno” para
escrever um poema neste mural e não encontrei?

Seria muito a propósito, não?
Hoje, no dia do solstício de Inverno…
Que pretensão a minha, querer escrever
um poema de O’Neill, sem o conhecer.

Inferno,
Eterno Inverno

O’Neill não era dado a contemplar os céus,
Quanto mais as celestiais estações.
Preferia esgueirar-se por entre as gotas de chuva,
fosse Inverno, fosse Verão.

O’Neill era de Lisboa, e os de Lisboa não são muito dados a olhar o céu,
Excepto os poetas e os loucos.
Todo o movimento nos desvia o olhar.
É preciso estar atento, nas cidades, em particular.
Mas O’Neill não só era de Lisboa, como era poeta.

O’Neill estava atento.
Atentava, porém, em tudo o que se movia, em tudo o que se mexia.
Escapou-lhe o Inverno.
Ou escapou-me a mim, na sua completa poesia.

Mas por que diabo O’Neill se haveria de preocupar com o Inverno, esse lugar-comum?
Esse Inverno de Portugal?

Inverno suave,
Ditoso Inverno, sempiterno Inverno.

Os gélidos dias partirão: adeus!
Até à Primavera,
Até ao Verão.

                                             AMCD

quarta-feira, dezembro 19, 2012

Postos de lado

«As sociedades modernas excluem por definição os fracos, os estúpidos, os inúteis, os doentes, os indefesos. O grande princípio do thatcherismo era essa ideia que estipulava que dadas a igualdade de condições e oportunidade, todos pisaríamos forte pelo amanhã que canta do sucesso e do trabalho remunerado. O thatcherismo esqueceu-se dos que precisam de muletas para caminhar pela vida fora. A sociedade portuguesa dos últimos anos enriqueceu, e pôs de lado. Chamou-lhe o custo social do progresso, e pôs de lado

Clara Ferreira Alves, 06/01/96 (*)

Em 1996, quando governava Guterres, quando a classe média engrossava (apetece dizer, “quando havia classe média”) e a sociedade portuguesa enriquecia (sabemos agora que esse “enriquecimento” afinal correspondeu a “endividamento”, ou seja, à projecção dos custos da crescente acumulação material e do consumo para o futuro, e o futuro é agora) a taxa de desemprego era cerca de 7,2%, e já então se começava a sentir no país a brisa do thatcherismo (curiosamente, outra palavra para neoliberalismo). Os “fracos, os estúpidos, os inúteis, os doentes, os indefesos” foram postos de lado, dizia Clara Ferreira Alves, e já então as políticas começavam a questionar a continuidade do Estado-Providência, pelo menos nos moldes até aí praticados. Actualmente a taxa de desemprego mais que duplicou. Já não são só os desgraçados a ser postos de lado. Hoje é a classe média que caiu em desgraça e que está a ser posta de lado e do lado dos desgraçados. Em suma, uma desgraça, e como diz o povo, uma desgraça nunca vem só. Sopram fortes, os ventos do neoliberalismo. Será a reacção desesperada que antecede o último estertor que prenuncia o fim de um certo tipo de capitalismo? Ainda está viva a democracia que o debelará?

P.S. - Curiosamente, hoje, no contexto comunitário, é Portugal que está a ser posto de lado (e à venda). Portugal, a Grécia, a Irlanda, a Espanha, a Itália, Chipre, etc.



(*) Clara Ferreira Alves (1996), “O Desejo de Ano Novo” in A Pluma Caprichosa, 2ª ed., Publicações Dom Quixote, 2002, p. 107.

terça-feira, dezembro 18, 2012

George Orwell versus Suzanne Collins


Reconheçamos: a Coreia do Norte é o que mais há de parecido com o pesadelo orwelliano de 1984, mas este modelo de governação neoliberal que agora alastra ao mundo, aproxima-nos cada vez mais do pesadelo dos Jogos da Fome de Collins. Este sim, é um verdadeiro caminho para a servidão. Paradoxalmente, Hayek, que quis afastar-se do caminho para a servidão (*) ao defender um aprofundamento do liberalismo, vê a tentativa de aplicação das suas ideias ao nível social, económico e político, conduzir-nos também à servidão. Os extremos tocam-se, não é verdade?!

Não julguem os paladinos do neoliberalismo que só encontram fome e servidão na Coreia do Norte. Existem bolsas de pobreza extrema nos mui liberais EUA e, infelizmente, entre nós, começam novamente a emergir.



(*) Friedrich Hayek,  autor da famosa obra The Road to Serfdom.

segunda-feira, dezembro 17, 2012

O neoliberalismo e os seus nomes

Há quem lhe chame liberalismo radical (o Papa Bento XVI), há quem se lhe refira como sendo ultraliberalismo, outros referem-se à teologia do mercado, outros chamam-lhe neoliberalismo. Outros fazem manobras de contorcionismo para contornarem a palavra “neoliberalismo”. Mas que diabo, é só uma palavra, um rótulo (sim sabemos que as palavras são importantes, contudo não são mais importantes do que os factos). Chamem-lhe o que quiserem, chamem-lhe "batatas", se quiserem. Os fins e os efeitos da prática desta doutrina estão à vista de todos e são incontornáveis, ainda que alguns teimem em chamar-lhe liberalismo tout court, como se de o mesmo se tratasse. Problema deles.

domingo, dezembro 16, 2012

A elite cosmopolita e os intelectuais locais: o padrão “europeu”

Hoje em dia, em muitos aspectos, Bucareste pode parecer apenas parcial e vagamente europeia, mas precisamente por essa razão, e por causa das cada vez mais óbvias qualidades não-europeias da ruralidade romena remota, parte da sua intelligentsia, tal como a de Belgrado, sempre tentou associar-se ao Ocidente, em especial à França, como acto de desafio contra a natureza estranha do seu ambiente interno. O resultado tem sido, muitas vezes, o suscitar do hipernacionalismo entre outros intelectuais locais e afastar ainda mais a elite cosmopolita das massas populares. Também este é um padrão caracteristicamente «europeu».

Tony Judt, Uma Grande Ilusão? Um ensaio sobre a Europa. Edições 70. 2012 P. 65

Também nós tivemos os nossos estrangeirados - intelectuais cosmopolitas -, alguns repelidos pelo provincianismo local, outros, privilegiados, foram ver o mundo lá fora e regressaram, e tornaram-se tão ou mais provincianos que os ditos “provincianos”. Entre os repelidos temos Agostinho da Silva, José Saramago, Jorge de Sena, Eduardo Lourenço, etc. Foram rechaçados pelo nosso provincianismo e ficaram a olhar para nós, e por nós, lá de fora. Amavam e amam Portugal, mais do que os regressados. Destes, os que retornaram ao seio dos “indígenas” e que desprezam o país natal até às vísceras, nem vamos falar. E depois temos ainda os que sempre cá estiveram, os “provincianos” que sempre amaram o seu país e nem precisaram de ir mais além. Afinal sempre é possível ir a Índia e voltar, sem abandonar Portugal. Há quem considere estes verdadeiros patriotas, nacionalistas parolos…, mas sabemos que não é bem assim. 

Do neoliberalismo e dos que não crêem em tal (2)


A propósito disto e disto.

Há algum tempo atrás, nos idos de 2008, Vasco Pulido Valente (VPV) anunciava no Público que vivíamos numa Era onde as ideologias já não tinham lugar. Em curtas palavras, lembrava-nos a morte das ideologias. Esqueceu-se porém da ideologia dominante, nascida das cinzas das lutas ideológicas: o neoliberalismo (sabemos que muitos não ousam qualificá-lo como uma ideologia, preferindo chamar-lhe doutrina, enfim um anexo do capitalismo ou uma forma de capitalismo tardio, mais agressiva e invasora). O neoliberalismo emergiu das cinzas do fim do conflito entre o comunismo, enquanto projecto alternativo, e o capitalismo (*) e passou a dominar o mundo, embora tivesse de arrumar primeiro com a social-democracia e com o welfare state, que ainda resiste nalguns bastiões. O neoliberalismo não deve ser confundido com o antigo liberalismo. O neoliberalismo é aquilo em que o capitalismo dominante, tardio e vencedor, se tornou ou se transmutou. Depois da implosão do comunismo soviético, que por milagre lhe saiu da frente, foi a social-democracia o próximo alvo a abater.

Vasco Pulido Valente (VPV) não era um intelectual provinciano, pelo contrário, pertencia a uma elite cosmopolita pois era um daqueles que tinha "um olho em terra de cegos": “estudou” lá fora, andou pelas terras de Oxford. Ora nesse tempo do “orgulhosamente sós”, esses intelectuais cosmopolitas, arredados da "piolheira" e afastados das massas populares (dos "indígenas", da "populaça"), tinham o privilégio de trazer ideias novas e frescas do exterior. Os intelectuais provincianos, esses nacionalistas, foram os que ficaram (não por acaso, Maria Filomena Mónica, outra intelectual da outrora elite cosmopolita, agora tornada provinciana, considera “parolo” o actual nacionalismo - pode sê-lo, mas não o é o patriotismo). Mas a verdade é que VPV deve andar há muito arredado do que se escreve e debate na Academia. O homem provincianizou-se, só pode, porque se atentasse, por exemplo, no que actualmente escrevem os académicos britânicos e norte-americanos, entre outros, em particular na área das Ciências Sociais e das Humanidades, facilmente verificaria que o neoliberalismo é um conceito corrente, não só entre os radicais de esquerda. Que saia mais do Gambrinus e que vá ver o mundo.

É que o mundo mudou!



(*) Quando o comunismo soviético começou a decair nos anos 80.

sábado, dezembro 15, 2012

As fronteiras oscilantes da pobreza

         © AMCD

«Há, e sempre houve uma Europa rica e uma pobre, mas a fronteira que as divide tem mudado ao longo dos séculos. Ainda não há muito tempo, o litoral mediterrânico e o seu interior urbano, de Marselha até Istambul, contavam-se entre as regiões mais prósperas da Europa. Em contraste, as terras escandinavas foram pobres durante uma grande parte da sua história. Com algumas excepções notáveis, hoje é o contrário.»

Tony Judt, Uma Grande Ilusão? Um ensaio sobre a Europa. Edições 70. 2011. P. 62

***

Sempre estivemos no limite oscilante entre a pobreza e a riqueza. Mas, quase sempre, do lado da pobreza. Seja à escala europeia, aquela a que Tony Judt se refere, seja à escala mundial, a que Adriano Moreira se refere, na sua obra, Da Utopia à Fronteira da Pobreza. Já fomos os cafres da Europa, quando da Europa não éramos. Na verdade, estávamos no mundo ocupados, fora da Europa, e nos oceanos. Nela desembarcámos em 1986, após uma descolonização apressada (*). Por isso, muitas vezes dizemos que entrámos na Europa. E ao nela desembarcarmos, embarcámos numa utopia da qual vamos agora acordando. Afinal foi tudo um sonho.

Nós, os primeiros dos ocidentais a assomar às exóticas costas de África e aos distantes mares de Timor, retornámos acossados. Rapidamente voltámos à nossa prévia condição de cafres da Europa, mas agora pior, porque nela estamos, tendo perdido já essa liberdade de ser cafres livres onde bem quisermos. Mas nessa viagem, como em todas as viagens, também aprendemos algo. Talvez possamos ainda ensinar alguma coisa aos habitantes desta península da Ásia, que é a Europa, em particular, aos que por cá ficaram, ensimesmados, frios e calados como teutões.



(*) Afinal sempre estivemos numa espécie de jangada de pedra.

segunda-feira, dezembro 10, 2012

Porque hoje não é Sábado, nem Domingo...

                       © AMCD


Porque hoje não é Sábado, nem Domingo...a praia. Como li uma vez, algures na blogosfera, e mais uma vez o cito: podemos falir, mas pelo menos falimos na praia, ante o mar, fonte inesgotável de inspiração poética. Fonte incansável.

Gostei hoje de ver tocar e cantar os OqueStrada frente àquela "realeza Nobel", com os instrumentos mais simples do mundo (e ao mesmo tempo mais complicados) e a voz de um fado, mas de um fado alegre, sem chorosas guitarras. Actuaram como quem afirma a sua alegria de viver, e a nossa, ainda que os tempos nos sejam adversos.

sábado, dezembro 08, 2012

Paredes


O velho Torga, grande Torga. Encontrámo-lo com surpresa na nota de rodapé de uma obra de um dos mais lidos filósofos teutónicos actuais [1], que não o compreende, nem pode, porque a sua mundivisão está a milhas da mundivisão portuguesa que também é a de Torga. Critica o teutónico uma frase do Torga, dissecando-a como quem disseca um sapo: “O universal é o local sem paredes.” Diz o alemão que é uma afirmação da mais falsa que há, porque define o mundo como uma soma de províncias (?). Então o local são províncias?! E chega a essa conclusão porque o Torga fala em paredes? E diz ainda que “é ingénua a afirmação, porque pressupõe uma simetria onde não a pode haver e abate paredes onde não as há”. Pois nós dizemos que as há, ou havia, porque os portugueses, e não só os portugueses, mas todos os povos navegadores e descobridores, mais não fizeram do que, ao longo da sua história, derrubar paredes; e que muitas paredes existem ainda para serem derrubadas. Paredes de medo assentes no desconhecimento e no desconhecido. Paredes de ignorância. Há até pessoas que se emparedam, se cercam de paredes, vivas na vida, mortas na vida, e se fecham ao mundo, por medo. Ou não saberá Peter Sloterdijk que não há paredes mais fortes do que as paredes do medo e que o medo assenta no desconhecido? São gigantescas muralhas, essas paredes! Esse medo que nos tolhe os movimentos e a ousadia de ir mais além. É preciso coragem! Foi preciso colocar a navegação à frente da vida - “navegar é preciso, viver não é preciso”, canta a velha canção. Caso contrário, se não tivéssemos ousado navegar contra essas paredes (esses monstrengos), ainda estaríamos fechados nesta Europa, vivendo no desconhecimento da existência de outros povos e de outros mundos. Afinal, passaram pouco mais do que 500 anos.

O universo está cheio de paredes mas o universal é o local sem paredes. Qual é a dúvida?

Mas todos nós por aqui sabemos que o Torga é muito mais do que uma nota de rodapé.



[1] Peter Sloterdijk, Palácio de Cristal, Relógio D’Água. 2005. Pág. 270-271.

Instrução Primária

Não saibas: imagina…
Deixa falar o mestre e devaneia…
A velhice é que sabe, e apenas sabe
Que o mar não cabe
Na poça que a inocência abre na areia.

Sonha!
Inventa um alfabeto
De ilusões…
Um a-bê-cê secreto
Que soletres à margem das lições…

Voa pela janela
De encontro a qualquer sol que te sorria!
Asas? Não precisas:
Vais ao colo das brisas,
Aias da fantasia…

Miguel Torga,
S. Martinho de Anta, 18 de Abril de 1962

segunda-feira, dezembro 03, 2012

Nem Roma, nem Império, nem Israel.

                       © AMCD

                      © AMCD


O Arco de Tito, construído em 81 d.C., em Roma, celebra o triunfo sobre a Judeia e a destruição do Templo de Jerusalém, em 70 d.C., pelos romanos. Num pormenor, pode observar-se um grupo de soldados transportando a Menorah (candelabro de sete braços) entre outros despojos do saque.


Hoje, na verdade, “os romanos” são outros e Israel vive com a anuência do Império que a consente e apoia. As questões são por isso agora outras: até quando sobreviverá este Império? E sobreviverá Israel à queda do Império que agora a suporta?

Ouvi um dia, pela primeira vez, estas palavras da boca do falecido Arafat (e garanto que foi pela primeira vez e por isso as retive): “Não há força que sempre dure”. Nem Roma, nem Império, nem Israel.

O peido mais funesto da história universal


Em homenagem ao Sr. Benjamin Netanyahu, que autorizou a construção de três mil casas na parte Leste da Cidade Santa e Cisjordânia, logo após a obtenção do reconhecimento da Palestina como Estado observador não-membro da ONU, com o apoio de 138 Estados, entre os quais Portugal. Como é óbvio, a pacificação da região não se alcança com decisões que implicam a construção de mais colonatos. Pelo contrário, tais decisões acirram mais ainda os ânimos da guerra e os ódios.

O que nos faz pensar que a esta gente – sionistas conservadores do Likud e alguns fanáticos que julgam pertencer ao povo eleito de Deus - tem de ser recordada a sua posição, posição essa que, nem é mais elevada nem é mais baixa do que a posição dos outros povos. Por outras palavras, e para sermos mais exactos, não acreditamos em povos eleitos e abençoados por Deus, ou qualquer deus que seja. Qualquer povo que seja. É claro que muito admiramos Albert Einstein, George Steiner, Stefan Zweig, Hannan Arendt, Eric Hobsbawn, Tony Judt e muitos outros judeus, mas tal admiração não implica que abandonemos essa ideia de que é tão importante, como ser humano, por exemplo, tanto um bosquímano como um judeu, aos supostos “olhos do Senhor”. Aliás, provavelmente a maioria judeus, também não embarca nessa história.

Ainda assim, invocamos aqui uma passagem de um texto de Peter Sloterdijk, que nos remete para outros tempos, quando o orgulhoso e cínico domínio romano na região mostrava aos supostos eleitos de Deus a sua posição naquela época.

Diz o filósofo Peter Sloterdijk:

«O peido, entendido como sinal, mostra que o baixo-ventre está em plena acção e isso pode ter consequências fatais nas situações em que toda e qualquer alusão às esferas desse género é absolutamente indesejada. Ernst Jünger notava no seu Diário Parisiense sobre a leitura de uma passagem da Guerra dos Judeus do historiador Flavius Josephus:

«Voltei a ir dar à passagem que descreve o início da agitação em Jerusalém sob o governo de Cumano. Enquanto os Judeus se reuniam para a festa do pão ázimo, os Romanos colocaram por sobre o pórtico do templo uma coorte a fim de manter a multidão sob observação. Um dos soldados levantou o manto e, voltando com uma reverência irónica o posterior para os Judeus, «emitiu um som indecente correspondente à sua posição». Foi motivo de um conflito que custou a vida a dez mil homens, de modo que podemos falar do peido mais funesto da história universal.» (Strahlungen, II, pp. 188-189)

O cinismo do soldado romano, que se peidou de forma politicamente provocatória e «blasfematória» no Templo, tem um paralelo no comentário de Jünger que faz a transição para o domínio do cinismo teórico.»

Peter Sloterdijk, Crítica da Razão Cínica, Relógio D’Água, 2011, p. 203.

sexta-feira, novembro 30, 2012

Pátria & Réplica

       ©AMCD

Pátria

Serra!
E qualquer coisa dentro de mim se acalma…
Qualquer coisa profunda e dolorida,
Traída,
Feita de terra
E alma.

Uma paz de falcão na sua altura
A medir as fronteiras:
- Sob a garra dos pés a fraga dura,
E o bico a picar estrelas verdadeiras...

Miguel Torga, Diário, Vol. II
(Gerês, Pedra Bela, 20 de Agosto de 1942)

***

Réplica

Também aqui as serras, mas sem fragas,
São como vagas petrificadas,
Que nos embalam e enlaçam
No torpor das madrugadas.

Afinal, pensávamos nós,
Que estávamos sós defronte do mar.
Tão equivocados estávamos,
Pois nele já nos encontrávamos.

Por isso nos era ele tão familiar.

No mar lançámos os nossos fados.
E do mar colhemos tornados.

Não!
Este não é o Algarve que julgávamos conhecer.
Do mar insondável, por vezes,
Soavam murmúrios ao entardecer.
Almas familiares de velhos pescadores.
Agora, rodopiantes tornados,
avassaladores...

                                                                  AMCD

quinta-feira, novembro 29, 2012

Vacas e paixões


A minha convicção de que as vacas têm campos mas que as paixões em movimento são o privilégio da mente humana voltou-se desde sempre contra mim.”
George Steiner
 Errata: Revisões de uma Vida, Relógio D’Água, 2009, p. 185

Acabei hoje de ler a Errata. Grande Errata, grande Steiner, grande vida. 

quarta-feira, novembro 28, 2012

Tem razão, o Bagão.


Ouvi-o no caminho para o trabalho e gostei de o ouvir.

Na Antena 1, no Conselho Superior, disse qualquer coisa como isto:

Tudo o que mexe apanha (com o imposto). Aqui não há tangentes, há secantes (ou seja, ninguém "escapa à tangente").

Disse Bagão que é uma situação única do mundo, que devia vir no Guiness, essa de os pensionistas com rendimentos iguais ou superiores a 1350 euros pagarem mais imposto do que um activo com o mesmo rendimento...Uma violação grosseira do princípio da igualdade.

Disse isto e disse muito mais.

Na íntegra pode ser ouvido AQUI, em podcast.


Algumas vezes aqui o contestámos (aqui e aqui). Mas hoje o Bagão tem razão, excepto no facto de meter os estivadores no mesmo saco que os banqueiros. Mas fora esse pormenor, tudo bem.

Um buraco maior que o mundo

(Fotografia, tirada daqui)



Lido AQUI, no excelente blogue - e nada chato - Xatoo.

Já nos tínhamos dado conta deste buraco financeiro maior do que o mundo, aqui. Na verdade, não é um buraco colossal, é um abismo universal, um sorvedouro do rendimento dos trabalhadores, dinheiro ganho com o suor do rosto de mulheres e homens que trabalham diariamente e nisso se ocupam, alheios aos que nas suas costas fazem negociatas que os oneram,  porque como bem diz o Xatoo, "cerca de 75% da tributação entregue ao Estado provém de impostos colectados sobre os trabalhadores". Os contribuintes que trabalham estão por isso a ser convocados injustamente para tapar um buraco que não é da sua responsabilidade, com a conivência de governos por si eleitos, mas que, uma vez no "Poder" (entre aspas porque o poder já não mora ali), passam a servir outros interesses. São estes governantes, verdadeiros parasitas da democracia, porque se alojam no corpo do Estado e o sugam até ao tutano, sugando os rendimentos de quem trabalha, sugando o rendimento dos contribuintes, muito para além do que é razoável e justo. Aniquiladores do estado democrático, aniquiladores do Estado Providência, que cada vez mais, providencia menos, até definhar, como é da natureza dos corpos parasitados. E pior do que isso, é a própria democracia que definha.

***

Uma vez mais se impõem estas questões: quem são os responsáveis por esta situação? Quem é o responsável? Quem defendia um mercado auto-regulado, ou por outras palavras, um mercado desregulado? Quem venceu com a desregulação do mercado?

Já sabem agora os portugueses, o que é o neoliberalismo?

terça-feira, novembro 20, 2012

Bonança

      © AMCD

Tempestade

      © AMCD

domingo, novembro 18, 2012

A negação da negação


«Pedro Passos Coelho garantiu esta segunda-feira [junto a Merkel] que o caminho que está a ser seguido por Portugal, no que respeita ao processo de ajustamento, é “o único possível”.»  AQUI

***

E Passos Coelho insiste, insiste e insiste… desde que chegou ao Governo que nos confronta, sempre, com o discurso tatcheriano da suposta ausência de alternativas (Sócrates já o tinha feito, como referimos aqui). Muitos comentadores neoliberais alimentam este discurso do “não há alternativa”, e até Cavaco Silva aponta nessa direcção quando defende que Portugal só tem um caminho, muito estreito, para a saída da crise. Ou seja, encontramo-nos perante qualquer coisa inevitável como a morte.

Face a esta constatação brutal, alguns comentadores, na sua análise, aplicam agora com agrado e fé, o modelo de Kübler-Ross à sociedade portuguesa. Face à inevitabilidade dos sacrifícios e ao empobrecimento forçado, a sociedade portuguesa encontrar-se-á numa das cinco fases sequenciais do referido modelo que se aplica às pessoas, quando confrontadas com doenças terminais. São elas: negação, fúria, negociação, depressão e aceitação. Ou seja, de acordo com este modelo, a sociedade portuguesa acabaria, como se de uma pessoa em estado terminal se tratasse, por, mais tarde ou mais cedo, aceitar os sacrifícios que lhe são impostos, deixando por fim de lutar. As reacções violentas e as manifestações de repúdio às medidas orçamentais corresponderão, segundo alguns comentadores, já à fase da manifestação da fúria, outros referem ainda que estamos na fase de negação, uma vez que a peleja ainda não assumiu uma maior virulência. Mas, mais tarde, pensam esperançosamente alguns, a sociedade amansará, depois de um longo período de depressão e por fim, como dissemos, submeter-se-á.

Ora a psicologia parece que está na moda. Merkel na sua breve visita lembrou que “a política económica é 50 por cento psicologia”, e o jornalista Perez Metelo pegou na deixa e concluiu, por sua vez, que a visita de Merkel a Portugal foi, na verdade, 100% psicologia. A questão é então a seguinte: como poderemos escapar a esta ditadura da psicologia e também à outra, a que dita que não há alternativa?

Ao relermos um capítulo da obra de Bento de Jesus Caraça, Conceitos Fundamentais da Matemática, deparámos, por acaso, com uma resposta, na seguinte passagem a propósito da necessidade de criar um novo campo numérico – o campo racional -, visando a resolução de problemas até então insolúveis:

Uma generalização passa sempre, por consequência, pelo ponto fraco de uma construção, e o modo de passagem é a negação da negação; tudo está em determinar e isolar, com cuidado, esse ponto fraco. O campo desta operação não se limita às ciências matemáticas; ele abrange não só as denominadas ciências da natureza como as ciências sociológicas; duma maneira geral, pode dizer-se que – onde há evolução para um estado superior, é realizada a negação duma negação.

Bento de Jesus Caraça,
  Conceitos Básicos da Matemática, Gradiva, 1998. Pág. 37

Percebemos bem? A sociedade portuguesa está em negação? Pois é preciso passar a um estado superior, nem que seja criando uma coisa nova, como fizeram os matemáticos com o campo racional, e romper de vez com essa generalização da “alternativa única”, que nos querem impor irracionalmente. Como? Negando a negação e encarando a realidade de frente. Não dar sequência a esse modelo funesto da cientista Kübler-Ross. Que coisa nova seria essa? Por exemplo, uma saída do Euro, ou, uma resposta educada à Sr.ª Merkel para que ficasse ela com a tranche que nos garantiu que viria, e que a guardasse onde bem entendesse, que nós por cá nos governaríamos, para bem ou para mal, como fizemos sempre ao longo de quase 900 anos. Isso sim, seria corajoso! Seria trágico? Talvez. O céu cair-nos-ia em cima da cabeça? Talvez. Mas sempre ouvimos dizer e acreditamos que mais vale morrer de pé do que viver de joelhos. E assim, também essa última fase do modelo da senhora Kübler-Ross ficaria comprometida na sua realização. Em vez de aceitação, luta! Luta sempre, até ao fim!

sexta-feira, novembro 16, 2012

No domingo passado

Enquanto faiscam relâmpagos, ribombam trovões e o vento vergasta as figueiras. Enquanto a chuva ataca violentamente os telhados da velha aldeia que me alberga aqui na serra algarvia, recordo com agrado o "passeio dos tristes" do domingo passado. Venham outros assim.

       © AMCD

Naquele banco, ali à direita na fotografia, li na Errata Steiner arrasar essa velha ideia de que somos todos condicionados ora pela genética, ora pelo ambiente, como se fossem coisas distintas. A passagem é esta:

“Os genes, a hereditariedade ou os acidentes físico-psicológicos são o ambiente. Uma criança cega de nascença não será uma grande pintora. Uma criança que seja fruto de gerações de subnutrição ou que nasça num albergue de malária, está «condenada» por um ambiente herdado, por «bioconstrangimentos» ambientais. A verdade é que a interacção é indissociável. A biologia é ambiente: o ambiente é biologia. É de uma confrangedora hipocrisia pensar doutro modo.”

George Steiner (1997)
 Errata: revisões de uma vida. Relógio D’Água, 2009, p. 138.


Lembrei-me de Ortega y Gasset, do seu “eu” e da sua “circunstância”. Não quereria dizer ele o mesmo?

«Yo soy yo y mi circunstancia, y si no la salvo a ella no me salvo yo.»

Ortega Y Gasset (1914),
Meditaciones del Quijote, Publicaciones de la Residencia de Estudiantes, Madrid, 1914, p.43-44.

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quinta-feira, novembro 15, 2012

Também eu, acuso!

          Foto de Nuno Fox, daqui


Francisco Oneto, aqui, no Maio Maduro Maio. Sempre excelente! (os destaques são nossos)

Também eu acuso, embora com pesos diferentes. Aos lacaios que nos lideram, acuso-os com mais veemência. Faltou-lhes a visão, ou moveram-se pela traição (mas nisto nem quero acreditar), e por isso caímos na submissão doutros que viram mais além e melhor defenderam os seus interesses e os dos seus países, egoisticamente, como nunca esperáramos, contra os nossos, nesta Europa em que embarcámos e que tinha por princípios a “solidariedade" e a "coesão”. Contudo, também essa maior visão, obsessiva e austeritária, que esses "iluminados" detinham e na qual ainda persistem, paradoxalmente, poderá tornar-se numa cegueira maior: a de não verem que a Europa poderá voltar, a prazo, à velha Europa.

A atribuição do Prémio Nobel da Paz à União Europeia, não foi descabido. Para que os europeus ocidentais se lembrem destes 67 anos de paz nos seus solos pátrios, conseguidos pela união e solidariedade entre os povos, contra os egoísmos nacionais.

"Isso não vai mudar nunca"

Manifestantes sindicais guardados por soldados em 1912, durante uma greve da indústria têxtil em Lawrence, Massachusetts.

«Não foi a minha primeira vez num contexto daqueles. Sei como é. É como é. A impotência dos manifestantes desemboca em provocação. E do lado da polícia aproveita-se o pretexto para manifestar a força, o poder, indiscriminadamente. Isso não vai mudar nunca. Ambos os lados são o espelho da mesma encenação.»

Vítor Belanciano

Lido aqui, no Georden. Originalmente daqui.

quarta-feira, novembro 14, 2012

“Proletarier aller Länder, vereinigt euch!”


VIVA A GREVE GERAL MULTINACIONAL!

É POR AQUI O CAMINHO.



Aquilo que, desde o início, tornou verdadeiramente espectral o comunismo ascendente e lhe conferiu a força de atrair a si os reflexos paranóicos dos seus adversários, foi a sua capacidade, cedo reconhecida, de ameaçar de destruição o status quo vigente." 

(…)

“Ironicamente, o banco mundial da ira comunista alcançou o seu mais significativo êxito sob a forma de um efeito secundário não intencional. Ao acumular um poderosíssimo potencial político e ideológico, ajudou os seus adversários de outrora, os sociais-democratas ocidentais, a alcançar o ponto mais alto da sua eficácia histórica. Facilitou aos partidos socialistas moderados da Europa a tarefa de obrigar os dirigentes liberais e conservadores a fazer uma quantidade nunca vista de concessões na distribuição da riqueza e na organização das redes sociais. Foi uma situação como esta que tornou plausível a passagem para o controlo do Estado de largas fatias das indústrias nacionais, nomeadamente em França e na Grã-Bretanha.

Peter Sloterdijk (2007), “Os novos frutos da ira: pós-comunismo, neoliberalismo e islamismo” in O Estado do Mundo, 2ª ed., Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2007, pág. 195-196.

***

A articulação sindical multinacional é um elemento chave para que os sindicatos e os trabalhadores voltem a adquirir a força que perderam na recomposição de poderes verificada desde a decadência dos regimes comunistas do Leste da Europa. Com a queda da “cortina de ferro” deixou de existir uma alternativa materializada do outro lado. A sua existência, por si só, tornava o patronato e os governos liberais e conservadores do lado de cá, mais dóceis, mais propensos à negociação e à cedência, receosos de eventuais reviravoltas políticas.

Sindicatos isolados nacionalmente, no actual contexto de globalização, já não funcionam com eficácia e perdem gradualmente força, como se tem vindo a verificar. É que a actual economia já não se cinge às fronteiras nacionais, ou seja, a economia mundial já não corresponde ao somatório das economias nacionais. Vivemos já na era da economia global. Nunca como hoje fez tanto sentido o chavão marxista: “Trabalhadores de todo o mundo, uni-vos!” Caso tal união falhe, então será o fim das relações laborais tal como as conhecemos. Aguardar-nos-á uma espécie de neofeudalismo, onde a maioria passará a ser a classe servil, ou, no pior cenário, caminharemos para o mundo dos “jogos da fome” – um mundo cada vez mais polarizado entre uma minoria usurpadora e uma maioria escrava que a alimenta e entretém.

domingo, novembro 11, 2012

No dia em que morreu Amaya Egaña

       © AMCD

Próximo de Ayamonte há uma pequena vila piscatória chamada Punta del Moral e junto a ela foi construída uma “cidade” fantasma que permanece a maior parte do ano vazia. Não é a única cidade fantasma nas imediações de Ayamonte. Não é a única cidade fantasma de Espanha. Quando calcorreamos as ruas da nova Punta del Moral, não nos deixamos de questionar acerca do enorme investimento bancário realizado, do dinheiro dos depositantes enterrado naquilo, da bolha imobiliária, do buraco colossal criado pelos bancos que agora os contribuintes vão ter de tapar, da nacionalização de bancos que estão na bancarrota. Falidos nunca estão: os bancos são demasiado importantes para falir, dizem os acólitos do mercado auto-regulado – caprichosamente as leis do mercado, tão defendidas pelos seus teólogos, não se aplicam aos bancos. Nacionalizam-se os bancos – por exemplo, o Bankia - e pagam as despesas os contribuintes, para bem dos accionistas.

Em Punta del Moral, os edifícios vazios sucedem-se uns aos outros, cada qual com dezenas de apartamentos vazios. E assim passeámos em Punta del Moral, no dia em que Amaya Egaña, 53 anos, funcionária do Bizkaibus, um serviço interurbano de autocarros de Biscaia, se atirou de um quarto andar, à chegada de uma equipa judicial, que a mando de um qualquer juiz e a pedido de um qualquer banco (a notícia, aqui, não diz, depreende-se), se preparava para proceder a mais uma ordem de despejo.

É que os bancos não podem falir, são demasiados importantes, dizem. As pessoas podem.

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sábado, novembro 10, 2012

Monte Gordo, hoje

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       © AMCD

Os céus continuam carregados e sombrios, mas o mar está calmo. Enquanto lanço os olhos ao jornal, na esplanada, junto ao areal, outros lançam o olhar ao horizonte enquanto aguardam os raios de sol. Velhos casais rendidos aos lugares onde outrora, possivelmente, foram felizes. Naquele Verão da vida, que agora procuram, mesmo neste Outono invernoso. Talvez o tenham encontrado. Velhos casais felizes. 

Mesmo no Inverno da vida não deixamos de procurar o Verão da vida, ou a ilusão desse tempo. Regressamos aos lugares onde fomos felizes. Regressamos, por vezes, vezes sem conta. Também fui feliz aqui. E sou, de certa maneira, mas já começam a pesar as recordações doutros tempos mais felizes. Estou a ficar velho.

sexta-feira, novembro 09, 2012

A doença infantil de certos portugueses*


Eu quero lá saber das ideias da Isabel Jonet. Ela que continue trabalhando, o resto (o que diz, o que pensa, o que sente) não me interessa. Interessa-me o que faz. Se ela pensa, fala e sente como a “tia Jonet”, problema dela. Só lhe fica mal, mas enfim, é a Jonet.

E em relação à chanceler Merkel e aos queixumes dirigidos à mesma, que já se avolumam em manifestação, espantam-me. São um sinal de infantilidade perante alguém que pugna pelos interesses do seu país, que é para isso que ela o lidera. É porém verdade que a política da Merkel pode conduzir-nos à velha Europa das rivalidades nacionais exacerbadas (mas rivalidades nunca deixaram de existir, não sejamos ingénuos). A velha Europa regressará (e não me venham dizer agora, que esta foi sempre a velha Europa, porque é preciso conhecer a história da Europa pré-1945 ou pré-1957, para saber o que era a velha Europa), se a nova Europa deixar. Repito: a velha Europa regressará, se a nova Europa deixar. E entre os que defendem a nova Europa, estão também muitos alemães. Por isso, o problema não é a Merkel nem os alemães, mas os que a ela se submetem caninamente.

Fizessem o mesmo os que nos lideram e lideraram, pelo nosso País, ou seja, tivessem defendido acerrimamente os interesses de Portugal e da nova Europa, em vez de ir visitar a Merkel, de braço estendido e implorando, como fizemos aqui referência, e hoje não estaríamos submetidos a tão triste espectáculo. Ou simplesmente, não estaríamos submetidos.

A culpa não é da Merkel, é nossa, ou melhor, daqueles que tão mal nos lideraram e lideram.

Disse.
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(*) - Isto para evitar o termo, “a doença infantil de uma certa Esquerda”, que aqui não há hemiplegias morais – vide o post inaugural deste blogue.

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